Em um cenário imersivo, debate entre comunicadores sobre poder e mídia traz memórias da ditadura

Jeffe Alves
4 min readJun 6, 2018

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A Semana de Comunicação (SECOM) da Universidade Veiga de Almeida (UVA) este ano tem como tema “É proibido proibir — 1968/2018”, e nada mais oportuno do que trazer para a discussão assuntos como censura, mídia, liberdade de expressão, ditadura militar e o perdão. Para a programação de segunda à noite (4), foram convidados à palestra sobre Mídia e Quarto Poder profissionais para debater a respeito do papel da mídia não apenas nos anos 60, 70 e 80, mas também em 2018.

Como mediador, o professor de comunicação e cientista político Guilherme Carvalhido. Entre os convidados, Matheus Leitão, jornalista investigativo e autor do livro Em Nome dos Pais, Cid Benjamin, jornalista político premiado que passou pelos violentos porões da ditadura, e Marcelo Gorodicht, publicitário que cresceu durante o período. A fim de ambientar as discussões, um auditório de cenário imersivo.

Com imagens e objetos espalhados por paredes e palco que remetem à estética e às manifestações artísticas da época, os palestrantes se sentaram diante de uma plateia quase lotada. Um cenário com um abajur retrô, poltronas com capas de bolinhas, além de mesas de centro e canto com aparelhos da comunicação do período, como máquina de escrever, uma máquina fotográfica antiga, telefone de disco e uma falsa televisão analógica. Sem contar a música bem tropicalista para completar o mergulho.

Cenografia que chamou a atenção do Coordenador do Curso de Jornalismo Luís Bittencourt ao abrir a palestra, que parabenizou a produção da SECOM feita por alunos. O professor lembrou a tarefa dos profissionais do jornalismo, apesar da ideia de que a mídia exerce um quarto poder. “Os jornalistas devem apurar e apontar os erros e mazelas da corrução a fim de que a sociedade prossiga com tranquilidade”.

Tarefa realizada por Matheus Leitão durante sua trajetória como jornalista investigativo. Ele relata que fazia reportagens sobre direitos humanos, ditadura e, portanto, “por que não contar a história da minha família? Aquilo ficou no meu inconsciente desde os 12 anos e alimentou a vontade de escrever o livro. Parto de uma história familiar, mas tento fazer um retrato de como era viver no Brasil nos Anos de Chumbo”, esclarece o vencedor por duas vezes do Prêmio Esso de Jornalismo.

O escritor reflete que parte da busca pela verdade por trás desse período se deve ao fato do país não ter elaborado o tema de modo correto. O que levou ao fenômeno do enaltecimento da ditadura militar. “Os governos civis deveriam tê-lo revisitado. Não para fazer uma caça às bruxas, mas porque é assim que se reconstrói um país. E o Brasil precisava de um pedido de desculpas das forças armadas para que virássemos essa página. Isso não acontece porque nem há admissão dos fatos”.

Dentre estes fatos não admitidos está a tortura, pela qual o jornalista Cid Benjamin passou. Naqueles anos, foi vice-presidente da União Metropolitana de Estudantes, participou da luta armada, foi preso e depois exilado por uma década. Após o retorno, ficou cara a cara com seus torturadores. “Não tenho ódio deles. Poderia ter uma relação civilizada com essas pessoas. Contudo, acho fundamental que a história seja conhecida, arquivos abertos e que o país saiba o que aconteceu para criar anticorpos e impedir que se repita”, explica o também ganhador do Prêmio Esso.

A discussão desse tema, segundo o estudante de História Lucas Faria, indica como a sociedade retornou “a uma briga pela legitimidade do golpe civil-militar. As pessoas que reivindicam a intervenção hoje e esses tipos de simpósio mostram como o debate volta à tona”. O jovem percebe que a mídia faz uma censura que tenta reger uma sociedade educada e de bons costumes. “Só ficar atento àquele comercial que o último comunicador passou, em que nem é pronunciado claramente um palavrão e mesmo assim foi retirado do ar”, lembra o espectador de 23 anos.

A peça publicitária à qual Lucas se refere foi exibida por Marcelo Gorodicht, que acredita que nos anos 90 existia uma liberdade maior para criar. “Mas não se compara à censura do período ditatorial, é claro”. Apesar de todas as violações de direitos humanos e da liberdade de expressão, ele destaca as ideias e os métodos executados pelos profissionais de publicidade. “Slogans, palavras de ordem e bordões eram bem feitos, baseados em músicas, jingles. Mas do ponto de vista da produção, as técnicas eram bem baixas”, esclarece o publicitário.

Na segunda década dos anos 2000, a publicidade é outra. Para Ygor Cândido, de 22 anos, estudante dessa área, ela se relaciona com o que está em voga, adaptando-se . Esse movimento foi feito no regime militar e está acontecendo agora. “O contexto de hoje é de informação, por isso as marcas tentam se mostrar ativas em assuntos públicos, a fim de deixar claro que não estão ali apenas para vender produtos ou serviços, mas que são parte da vida cotidiana de cada um”.

E o que é essencial no dia a dia de um jornalista é a responsabilidade na busca da informação. Leitão salienta que é buscar todos os lados do fato. “Isso se reflete no meu livro. Fui atrás justamente do torturador, do militar presente no inquérito”. Fez isso porque queria ouvir o que tinham a dizer tanto tempo depois, saber se fazem uma autocrítica. “O jornalismo serve a essas causas também, trazer a verdade, elucidação, informação. E há vários estudantes e jovens que fizeram perguntas aqui no evento que acredito que têm muito a contribuir para a sociedade brasileira”.

Jefferson Alves — 7° Período

Jornalista Cultural

Originally published at http://agenciauva.net on June 6, 2018.

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